Celebrada que está a república e tendo passado um século sobre o fim da monarquia, é tempo de deitar borda fora outro conceito difuso de efeitos perversos: o PIB - Produto Interno Baralhado (Bruto na óptica de uns quantos...). Na década de 1930, Simon Kuznets deu azo à criação da noção, cuja definição se traduz, grosso modo, por "dollar value of finished goods and services". Ou seja, uma medida difusa e pouco concretizável de todo o rendimento gerado dentro de determinada circunscrição geográfica (país). Criada no auge de recuperação da Grande Depressão, a ideia era minimamente indicativa e acertada na época, pois media os dados relativos a uma estrutura económica de matriz basicamente industrial e mercantilista. Oitenta anos volvidos, o paradigma alterou-se radicalmente: a actual estrutura nacional e global em que assenta toda a actividade económica baseia-se na transacção de serviços e conhecimento. Logo, o conceito de medida, cujo equilíbrio dita os malfadados tempos que correm, está plenamente ultrapassado e não é minimamente fiável em termos que quantificação de riqueza gerada.
Através desta métrica, qualquer espécie de actividade económica contribui para a formação do valor total do PIB. Não releva a natureza produtiva da actividade em causa, nem sequer o progresso e crescimento que a ela seja ou não associado. Por exemplo, o recente caso Casa Pia terá contribuído em alguns milhões de euros para o PIB nacional, através dos honorários pagos a advogados, das viagens de jornalistas a Elvas, etc. Duvido, todavia, que haja vivalma que sustente que semelhante circo mediático tenha contribuido para enriquecer - ou enobrecer...- o nosso cantinho de brandos costumes.
De facto, actividades de natureza intrinsecamente perversa tendem a contribuir de forma mais generosa para o PIB, quando comparadas com outras de natureza muito mais positiva. Recentemente passei por Constância. A beleza do lugar é facilmente olvidada, logo que o pérfido e nauseabundo cheiro da indústria local cumprimenta o nosso olfacto. Todavia, a actividade geradora de semelhante catástrofe contribui - e muito! - para a riqueza nacional, conforme a contabilização proposta por Kuznets. Primeiro, houve toda a contribuição gerada pela construção das instalações fabris. De seguida, o PIB engordou - e continua a engordar...- à custa da produção gerada. Passado algum tempo, o estado dispendeu quantias pornográficas para limpar recursos aquíferos circundantes. Finalmente, alguns milhões foram, e são, gastos em despesas médicas de trabalhadores fabris e da própria população. Em termos de mensuração económica convencional, tudo isto foi riqueza gerada. Tal como a desflorestação, ou qualquer outro tipo de actividade dedicada a exaurir recursos naturais.
Em suma, aplicando esta métrica para medir a actividade económica, estamos a dizer que um paciente diabético, com um dispendioso processo de divórcio em mãos, é o paradigma de verdadeiro super-herói para a economia nacional. Os malfadados 3%, artificialmente criados e realmente impostos por uma antiga efectiva da Stasi que, de Berlim, se proclama João Baptista da economia europeia, poderão muito bem pôr-nos nessa situação. Pessoalmente, o simples nome da moçoila teutónica provoca-me um desejo doido de açúcar. Muito açúcar. Agarrem-me, por favor!