"Les tableaux sont effrayants, les principes sont perverts, les conséquences sont terribles, et c'est pourquoi nous avons écrit. S'il est dangereux de parler, il serait perfide de se taire." Jean-Pierre Louis de Luchet
29 de Novembro de 2011

 

 

 

 

“But I don't want to go among mad people," Alice remarked.

Oh, you can't help that," said the Cat: "we're all mad here. I'm mad. You're mad."

How do you know I'm mad?" said Alice.

You must be," said the Cat, "or you wouldn't have come here.”

 

Lewis Carroll,  in "Alice's Adventures in Wonderland"

 

 

A austeridade, hedionda forma de expressão e eficaz arma de aniquilação social, fez implodir num ápice, pela via eleitoral, os governos de três países: Irlanda, Portugal e Espanha. Aliada à necessidade de acalmar os mercados - sendo estes o verdadeiro bicho papão dos tempos que correm -  testou, poupando o capital e o aborrecimento de uma ida às urnas, sem protestos visíveis ou noticiados, o caminho perigoso de substituir sem votos os executivos de outros dois estados: Grécia e Itália. Papademos, o chefe do executivo helénico, voou para Atenas directamente do Banco Central Europeu e da Comissão Trilateral, de um tal de Rockefeller. Tem por isso o beneplácito dos mercados. Monti, que chefia o governo transalpino, conquistou-o enquanto comissário europeu. Ambos são resultado dessa excelente escola de feitiçaria financeira que é a Goldman Sachs, como não poderia deixar de ser. Passos Coelho, discípulo afincado da troika, esforça-se por agradar a Merkel e tem merecido rasgados elogios dos representantes dos ditos mercados. Nenhum dos três desfruta, todavia, de legitimidade democrática para governar. Os dois primeiros por ausência de sufrágio. O actual inquilino de São Bento, por praxis: tudo o que prometeu  na aparentemente longínqua campanha eleitoral, usou para ser eleito. Atingido o desiderato de liderar a nação e de ver cumprido o sonho de Sá Carneiro, olvidou o que veementemente garantira e incumpriu.  A assunção de um desígnio de serviço público, como forma de melhorar a vida dos seus concidadãos, não é ideal que o entusiasme. Há que expandir horizontes. Para os mercados, claro está.

 

As desilusões perante o logro e as evidências de um abismo tido por inevitável, são de efeito explosivo, que afasta a esperança e acicata a revolta: assistimos amiúde a intervenções presidenciais que preterem o direito dos cidadãos em benefício do desvario de poderes pouco ocultos e com índices de vergonha de proporção nula; estamos todos, portugueses, siderados com sucessivas interpretações de juízes do Tribunal Constitucional, doutas sumidades, consonantes com os interesses das áreas políticas que os indigitaram, ainda que em dissonância com a Constituição que juraram defender; a desconfiança num Parlamento que já provou ser arena de lamacentas jogatanas, jamais indulgindo nesse ideal de servir um povo, votando de acordo com a agenda de partidos feitos clubes de ascensão profissional e social para seres acríticos, desejosos de meter a mão no quinhão que deveria ser comum. Analisados os factos, a democracia periclitante e o estado de direito seguiram o conselho de Ferreira Leite,e encontram-se actualmente a gozar uma não breve licença sabática. Anseia-se por uma IV República que lhe ponha cobro. Porque a mãe de todas as crises é a crise de um sistema podre e falível, baseado em conceitos individualistas e desumanos, desagregados do bem comum. De um regime de tecnocratas, manobrado por maçons, paladinos da ordem de Escrivá e por banqueiros que depressa recuperaram a influência e desdém de outrora.

 

A fixação na mera contabilidade pública - de acordo com os ditames de Chicago -  está a gerar uma espécie de governo kafkiano. Tal atmosfera deve-se mormente à sequência infindável de medidas quase surreais, geradas por uma lei maior e inacessível, que está no entanto em perfeita conformidade com os parâmetros reais da sociedade hodierna. O ministro da economia esforça-se por mostrar trabalho através de fait divers e de anúncios de investimento estrangeiro, sobretudo na indústria extractiva. À boa moda de qualquer país intervencionado por essa benemérita instituição que dá pelo nome de FMI. Não querendo ficar atrás de  Manuel Pinho, assegurou que “2012 vai certamente marcar o fim da crise”. O ministro das finanças faz com Ricardo Salgado & Cª a verdadeira quadratura do círculo: aceita o liberalismo quando toca a especular e corre a protegê-los quando a roleta não é amiga. Mantendo sorumbática postura, rejubila com o anúncio da gestão de emergência. Passos Coelho pediu, Gaspar cumpriu: o país tem de empobrecer, dê por onde der. O secretário de estado do emprego contou no hemiciclo parlamentar uma laracha que fez rir os mais sisudos, quando afirmou que o salário mínimo nacional (485 euros) não é baixo. O secretário de estado do desporto e da juventude, num assomo de sinceridade, convidou os mais jovens a optarem pela porta de saída, pois este país não é definitivamente para jovens. O secretário de estado da administração pública anunciou mexidas nas tabelas salariais dos funcionários públicos. Gaspar desmentiu-o e chamou-o de especulador público.  Sendo a especulação premiada e protegida pelo executivo, tratou-se naturalmente de um elogio.

 

Enquanto as sondagens nos asseguram que a maioria dos portugueses já cedeu à aparentemente acrítica e realmente nada bem intencionada noção de inevitabilidade das medidas de austeridade, começa a levantar-se um novo coro, que rejeita a suspensão da Constituição  e do sentido de justiça social.  Nem o mais concertado dos esforços comunicacionais conseguirá disfarçar a literal falência do edifício monetário e financeiro que sustenta a envelhecida Europa e a ilusão americana. Por cá, mais cedo do que tarde, gritará uma crescente maioria, que não aceita a apreensão de salários para que o Estado feito Robin dos Bosques mefistofélico devolva a alguns o que esbanjaram em gananciosas especulações fracassadas e presenteie todo um povo no balanço da divida com o que outros, impunemente, roubaram, não sem antes terem dado uns tantos conselhos de estado. Muito menos aceitarão o empobrecimento estratégico e planeado. Assim se explana o imperativo moral que os ditadores de circunstância simulam não compreender, esmagando direitos humanos, constitucionais e civilizacionais que tomam por privilégios desmesurados e ignorando, quando não decretando novos, os verdadeiros privilégios e causas da falência  financeira, mas primordialmente moral e humana, do sistema.   

coagitado por Daniel Martins às 20:32
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Li por acaso e adorei..
Claro que à esquerda não há extremistas. Sempre a ...
Danny, ganha juízo, pá
Temos os líderes que merecemos.
Não me ocorre nenhuma maneira melhor de passar um ...
Mas quando?
Gosto das ideias, mas deviam rever o grafismo do b...
Gostei! Continua assim, indomável...
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